Reflexões sobre a música
popular e a música de concerto.
A convivência entre a música folclórica e de concerto é frutífera;
a primeira alimenta uma grande arvore de características múltiplas envolvendo ritmos, melodias e um comportamento
espontâneo que inclui a improvisação; toda esta pluralidade pode ser absorvida
pela música “culta” e ao mesmo tempo essa convivência pode produzir uma simbioses, uma troca edificando a música popular em varias direções propondo
uma interação enriquecedora para ambos os lados.
Influencias de um
lado.
No Barroco músicos como Johann Sebastian Bach ou Georg PhilippTelemann
(1600)ao mesmo tempo que se inspiravam em motivo s populares não deixavam de usar
recursos polifônicos ou fugas no comportamento da suas obras.
A música popular; com
seus ritmos, suas canções e seus rituais, realiza uma espécie de chão, de
alicerce, de fundamento cultural de onde surgem diferentes possibilidades;
estas variáveis embora com mudanças guardam uma marca, uma pegada que nos remete ao seu ponto inicial: Igor
Stravinsky no dia da estréia da sua obra “sagração da primavera”, na França, no
meio das vaias do publico falava no palco para o coreografo Vaslav Nijinsky: “Mas, é música popular! é
música popular!”.
No Brasil
artistas como Heitor Villa-Lobos, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli incorporaram
esta estética dando continuidade a essa convivência entre o popular e o
clássico.
Na Argentina
Alberto Ginastera, Carlos Guastavino e Astor Piazzolla também dialogaram entre
estes dois territórios.
No jazz músicos
como George Gershwin, Cole Porter, Duke Ellington compunham musicais ou operas desde este
conceito; mas perto de nos: Bill Evans e
Tom Jobim gravaram discos orquestrais com arranjos de Claus Ogerman, por
exemplo, onde o swing e a temática popular alimentam o colorido instrumental.
Influencias do outro lado.
Podemos observar como
ao mesmo tempo em que a música popular alimenta a música de concerto, esta
também nutre a popular em quatro aspectos fundamentais: no ritmo, na harmonia,
na dinâmica e nas formas.
No ritmo
incorporando compassos de 7, 5, 9 que não são usados no cotidiano de nossa
audição; músicos como Dave Brubeck no
disco “ Time out” de 1959 e Hermeto Pascoal ao longo da sua obra experimentam
com estes compassos para dar nova vida aos ritmos folclóricos.
A busca pela ruptura dos ritmos no meu
entender tem um paralelo nas artes plásticas com a busca de novas configurações
propostas com artistas como Joan Miró, inclusive dele é a capa do famoso disco
no qual Brubeck populariza esta procura.
Na parte harmônica, muitos artistas se entusiasmaram
pelo uso de novos acordes que incorporaram dissonâncias; esta nova estética que
começara a ser usada por compositores impressionistas como Claude Debussy ou Maurice Ravel influenciou músicos de
jazz como Thelonius Monk e Bud Powell, pianistas de bossa nova como Luiz Eça ou
do tango novo como Atilio Stampone.
Temos
também que a música popular ganha em nuances quando ela utiliza dinâmicas,
diferentes intensidades no seu comportamento, ao mesmo tempo ela cresce
incorporando interlúdios e diferentes pontes na suas formas tradicionais,
formas que raramente passam de parte A, B e C ou verso e refrão no estado primitivo.
Reunindo os mundos.
Podemos citar as experiências de músicos como Pat Metheny
Group no tema “Minuano”, Chic Corea no tema “Falling Alice” , Miles Davis no disco “Sketches
of Spain” (1960) ou os dois discos de Charlie Parker com cordas, oboé, arpa e trio de jazz, ,para constatar que todas estas músicas dialogam
perfeitamente entre os atributos dos dois territórios produzindo experiências bem
sucedidas em termos artísticos
O uso das ferramentas das duas fontes exige um estudo e uma convivência para que o amalgama se torne natural ; entre os artistas atuais que percorrem este caminho podemos achar no Brasil o projeto do Jaques Morelenbaum e Cello Samba Trio ,os diferentes discos do Egberto Gismonti , o grupo Pau Brasil , os arranjos sinfônicos para a obra de Edu Lobo e João Bosco, o disco “Ouro Negro” dedicado a Moacir Santos,os projetos do pianista André Mehmari, mais recentemente o disco do quarteto Universo Diverso que interpreta Hendel e Chopin com uma atitude espontânea.
Em Cuba esta estética tem continuidade nos projetos de
Chucho Valdes nos quais ele mistura as raízes do Candomblé com um contexto
atual de jazz contemporâneo; na Argentina o pianista Enrique "Mono" Villegas tocava no mesmo espetáculo Schumann, Bartok e jazz; podemos lembrar também as experiências com o folclore como a do
Waldo de los Rios no inicio da sua trajetória ou a de músicos como Pablo Aslán,
Carlos Franzetti ou Daniel Binelli afirmam esta tendência.
Conclusões
Teatros, selos,
prateleiras, programadores de rádio, críticos e curadores de festivais dividem
algo que esta junto na natureza, no nosso dia a dia, desde os primórdios da humanidade.
Decompor uma
programação musical ou um enfoque de ensino em conteúdos populares e ilustrados
parece algo artificial, mas é o que mais temos no nosso cotidiano.
O que esta atrás
de esta visão dividida no fundo envolve questões como o racional e o intuitivo,
o escrito e o improvisado. Atrás desta fenda aparecem as forças que sustentam a
divisão, de um lado a cultura acadêmica
cientificista e do outro a cultura oral, ancestral, no fundo a velha ideia hierárquica
entre civilização e barbárie
Se na vida real
de um músico ou de um ouvinte estas duas correntes são aceitas de modo natural como afines, não podemos deixar que elas
apareçam enfrentadas e irreconciliáveis no mundo fora .
Se o mito fundador da música na sua essência é popular ele se desenvolve com as elaborações do espírito artístico em uma relação amorosa, não de conflito. .
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