segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Ritmos da Argentina.

A zamba.


A zamba  é um ritmo do folclore nordestino argentino muito rico e interessante ,  inclui uma polirritmia de 3/4  contra 6/8 e também uma forma musical e uma dança completamente originais.
A combinação rítmica abre um debate sobre como escrever ou qual seria o compasso que podemos considerar mais importante, eu pessoalmente adiro à idéia de Adolfo Ábalos, Hilda Herrera e Juan Falu de considerar uma superposição tendo a referencia do 3/4.
A rítmica é uma subdivisão africana que não tem antecedentes no Brasil salvo no ritmo do “Bumba meu boi” claro que em outro contexto ritual e com outra instrumentação.
O gênero musical também se caracteriza pela forma, ela se reflete na dança. Temos uma Introdução, uma parte A (frase) uma resposta A 1 e uma outra resposta A2  ou a repetição do A1 ; o refrão (seria um B)  e a mesma resposta A1 e na segunda resposta A2 se chega a o êxtases musical e ao encontro dos dançarinos.
A /A1/A2 ; refrão A1/A2
Aqui um exemplo: https://youtu.be/oTlZY1O1fBE
(no exemplo ainda temos um interlúdio)

A historia. 

Vem do Peru, resultado da unidade da cultura indígena, espanhola e africana entra na Argentina no século XIX
 O ritmo deriva da zamacueca peruana que também é raiz da cueca chilena e argentina. A zamba é mais lenta, cadenciosa e com muito espaço.
Aqui uma zamacueca, ritmo claramente afro-peruano, soa similar a uma valsa peruana , o ritmo entra na Argentina onde ele se ralenta e se transforma.
https://youtu.be/kxX1TTWZ3L4

O nome deriva das moças mestiças peruanas conhecidas como zambas e a dança tem todo um jogo de sedução entre o casal , se acompanha com lenços,e culmina com uma especie de apoteoseis de olhares e proximidade sensual.
A samba de Vargas de 1867 seria primeira composição do gênero;  dedicada a batalha de Vargas na qual o interior reivindica sua auto determinação da capital . Alguns estudiosos afirmam que seria na realidade uma melodia popular anonima copilada em diferentes versões, uma delas é de Andrés Chazarreta de 1906. 

Instrumentação.

Canto,  violões e percussão (bombo legüero). Também pode incluir flauta, violino, piano, baixo  e mais percussão (bateria).

Composições e protagonistas..
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Destacamos composições como “Maturana” do Cuchi Leguizamon que tem uma das melodias e letras mais bonitas do gênero.
https://youtu.be/2_DsNMzBPFA

"Zamba para olvidar" de Facundo Toro y Abel Pinto
https://youtu.be/Q9S0ejlwhWk
e ainda "Alfonsina y el mar" de Félix Luna - Ariel Ramírez
https://youtu.be/eU1Hpc_iqL8


Destaque para as melodias inspiradas e as letras com imagens poéticas como "y te vas hacia allá como ensueño dormida Alfonsina vestida de mar".
Temos um passado que vai de 1835 até 1950 mais tradicional e depois com autores como el Cuchi Leguizamon, Eduardo Lagos e Ariel Ramirez se incorporaram novos ares...
Nessa época (1954) de modo mais tradicional Jorge Cafrune e depois Los Chalchaleros cantavam “zamba de mi esperanza” tal vez o tema mais conhecido do estilo, autoria de  Luis H. Profili.
Atahuapa  Yupanqui escreveu zambas históricos  como “luna tucumana” e “piedra e camino” eternizado na voz de Mercedes  Sosa.  
Mais atuais não podemos deixar de lembrar também  músicos como el Chango Farias Gomez com seu diálogo com outras fontes  , Peteco Carabajal, Adolfo Ábalos como uma marca importante no piano https://youtu.be/u_WzF9B1YTA
Cantoras como Liliana Herrero,Leda Valladares, Suna Rocha, Gabriela Bergallo, Malena Zuelgaray, Chany Suarez e Teresa Parodi; Dino Salussi com seu bandoneon ,  os violões de Juan Falu , Luis Salinas, Daniel e Obi Homer; pianistas como Abel Rogantini , Lito Vitale e Manolo Juares ,músicos da nova geração como  Julio Lacarra, Aca Seca e el Negro Aguirre alimentam o estilo trazendo novos ares.
Músicos de diversos estilos como Jorge Navarro , el mono Villegas ou Quique Sinesi  incluem zambas no seu repertorio  
https://youtu.be/OfHF7NEA680
https://youtu.be/_uC0hw1lu1Q
https://youtu.be/m0vzNK5xyUg

Exemplos rítmicos sugerido pelo músico Alejandro Oliva.












sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Arte verdadeira.

Arte verdadeira.

O tema.
Aqui cito três depoimentos de músicos que me merecem a maior consideração, eles comentam pontos que nos ajudam a diferenciar o joio do trigo em relação a valores que nos aproximem a reconhecer o que seria uma arte apropriada.
As questões.
Existiriam categorias objetivas que nos permitissem diferenciar o que é arte do que seria um mero artifício? Tem por trás dos usos da indústria cultural mecanismos que banalizam a obra de arte e corrompem nossa compreensão?
Existiriam modelos ou modas que nos iludem e nos induzem a aceitar determinadas manifestações como padrões estéticos válidos?  Junto com a obra artística se introduzem valores de forma subliminal?

Os Depoimentos.

Primeiro.

Egberto Gismonti comenta em uma reportagem como a indústria fonográfica desvalorizou a música folclórica e ainda se utiliza da arte verdadeira para usá-la como fundo de seus produtos de massas.
Começa mencionando que antigamente só existia a música folclórica, depois a partir dela, a música de concerto até que surge a indústria fonográfica nos EE. UU; a partir disso se cria uma jerarquia na qual o folclore fica desacreditado.
Comenta como a indústria se apropria da música e a banaliza; cita o exemplo da música “a sagração da primavera” de Stravinsky que ganhou fama não pela obra e sim,  sua notoriedade chegou depois que o registro dela foi utilizado como música de fundo nas cenas de natação nos filmes da atriz Esther Williams em Hollywood.
Critica que uma música de fundamento popular que se relaciona com algo histórico e mítico seja utilizada como fundo de uma cena completamente fora de contexto.
Estima o passado como uma referencia para se relacionar com o futuro ao mesmo tempo que cobra a valorização do conceito de individuação, conceito esquecido no meio de uma estética mundana que pelo contrario exerce o efeito de massificar a população e torná-la mais impessoal.
Link da entrevista
Segundo.

Luis Alberto Spinetta em outra reportagem fala sobre a lavagem cerebral (a idiotizarão) da sociedade a partir do convívio com a massificação da arte.
Critica músicas banais e alerta para o efeito pernicioso que resulta a exposição continua com estes fenômenos.

Terceiro.

Frank Zappa em uma entrevista critica a sociedade americana por apenas criar “marcas” (Coca-Cola/Levis/hambúrguer), por exercer uma política externa belicosa e agressiva (participando de
guerras e ocupações) e por não possuir uma arte ancestral (sua arte só tem 150 anos).

O tema.
Estes três grandes músicos estão falando de algo em comum?
Egberto Gismonti levanta quatro questões, a da massificação, a utilização da arte fora do seu contexto (a dessacralização), o respeito pelo passado e a valorização do fundamento popular na arte.  Luis Alberto Spinetta alerta para a alienação e Frank Zappa critica a postura americana como um todo.
O que é arte.

Existe uma arte milenar que se desdobra e se atualiza uma arte que produz mitos e poesia; esta arte tem uma tradição e se manifesta individualmente a partir das escolhas pessoais e da memória de cada artista.
Esta arte colocada na sua real importância; isto é como a soma de escolhas e de lembranças de todo um percurso, se revigora e se coloca como referencia.
Ao contrario fora estes critérios temos hoje a valorização de uma arte sem enraizamento ou a utilização de uma arte verdadeira colocada ao serviço de um contexto completamente supérfluo.
A arte transcendente ainda sobrevive, ela assiste atônita ao crescimento de uma padronização no cinema, na literatura, na música e nas imagens para o consumo rápido sem um mínimo de tradição ou genealogia.
Vamos introduzir mais dois assuntos que turbam o real entendimento do que “é” a arte.  O problema do novo, do instantâneo e dos valores que se introduzem com as estéticas artísticas.

A questão da valorização do novo.


Aparece aqui então a questão do novo como outro elemento perturbador.  Como desdobramento do conceito de perda do olhar no decorrido encontramos na valorização do novo uma variante da dispersão.  
Uma nova moda acontece na Europa que pode exemplificar estes comportamentos: Vinho Azul....isso mesmo...o discurso diz “Chega do tinto, branco ou rose. O Azul é jovem, divertido e inovador por natureza”.Como se alguém falasse esqueçam os vinhos tradicionais, esqueçam os vinhedos, o conhecimento do cultivo agora o que vale é mudar a cor.
Por trás destas modas o que nos vendem é a ideia da inovação como sinônimo de valor; o mesmo discurso serve para divulgar estilos rítmicos, pinturas, arte conceitual, padrões sexuais, familiares, etc.
Este opinião que normatiza comportamentos atrás de uma aparência de liberdade na realidade serve para introduzir o cambio como sinônimo de novidade, ou pura e simplesmente como superação; detrás dessa ideia é que se introduzem músicas como o rap, a cumbia, o funk carioca, o punk, o hip-hop e a literatura para colorir, por exemplo.
Este embuste é o mesmo que o que avalia que a música no século XVIII hoje foi ultrapassada, que a poesia de Homero é senil e em conseqüência inferior a de qualquer poeta do século XXI  ou que o cinema mudo japonês, alemão ou americano não fossem mais que rascunhos do que hoje assistimos.

O passado e o presente.

O que ocorre não é bem assim, na realidade, tem que ficar claro que não existe essa evolução na arte e que se assistimos empobrecimento de uma arte maior é por que as mudanças que se fantasiam de genuínas desconhecem qualquer procedência.
Por acaso ainda superamos o que aconteceu no em 1958 com Miles Davis no jazz, Astor Piazzolla no tango e Tom Jobim com a bossa nova?
Jorge Luis Borges no prólogo da edição argentina  de parte da obra de teatro de Eugene O’Neill  comenta que: “ O’Neill  compreendeu que o melhor instrumento que lhe foi dado aos homens para inovar e renovar é a tradição, não para  servilmente repetir-la ou copiá-la  mas para que  ela seja ramificada e enriquecida”.

Final. 


Por trás das nossas escolhas e do nosso olhar do mundo existem forças subliminares que se introduzem de forma invisível.
Se ficarmos atentos ao que ocorre e permanecermos em alerta para não cair na armadilha planejada para nosso olhar nos poderemos deter para observar como é que constitui nosso apreciar do mundo artístico...isto seguramente poderá  tornar nosso contemplação mais abrangente.


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Música "culta" e popular.

Reflexões sobre a música popular e a música de concerto.

A convivência entre a música folclórica e de concerto é frutífera; a primeira alimenta uma grande arvore de características múltiplas  envolvendo ritmos, melodias e um comportamento espontâneo que inclui a improvisação; toda esta pluralidade pode ser absorvida pela música “culta” e ao mesmo tempo essa convivência  pode  produzir uma simbioses, uma troca edificando  a música popular em varias direções propondo uma interação enriquecedora para ambos os lados.

Influencias de um lado.

No Barroco músicos como Johann Sebastian Bach ou Georg PhilippTelemann (1600)ao mesmo tempo que se inspiravam em motivo s populares não deixavam de usar recursos polifônicos ou fugas no comportamento da suas obras.
A música popular;  com seus ritmos, suas canções e seus rituais, realiza uma espécie de chão, de alicerce, de fundamento cultural de onde surgem diferentes possibilidades; estas variáveis embora com mudanças guardam uma marca, uma pegada  que nos remete ao seu ponto inicial: Igor Stravinsky no dia da estréia da sua obra “sagração da primavera”, na França, no meio das vaias do publico falava no palco para o coreografo Vaslav Nijinsky: “Mas, é música popular! é música popular!”.
No Brasil artistas como Heitor Villa-Lobos, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli incorporaram esta estética dando continuidade a essa convivência entre o popular e o clássico.
Na Argentina Alberto Ginastera, Carlos Guastavino e Astor Piazzolla também dialogaram entre estes dois territórios.
No jazz músicos como George Gershwin, Cole Porter, Duke Ellington  compunham musicais ou operas desde este conceito; mas perto de nos:  Bill Evans e Tom Jobim gravaram discos orquestrais com arranjos de Claus Ogerman, por exemplo, onde o swing e a temática popular alimentam o colorido instrumental.

Influencias do outro lado.

Podemos observar como ao mesmo tempo em que a música popular alimenta a música de concerto, esta também nutre a popular em quatro aspectos fundamentais: no ritmo, na harmonia, na dinâmica e nas formas.
No ritmo incorporando compassos de 7, 5, 9 que não são usados no cotidiano de nossa audição; músicos como Dave Brubeck  no disco “ Time out” de 1959 e Hermeto Pascoal ao longo da sua obra experimentam com estes compassos para dar nova vida aos ritmos folclóricos.

No disco de Brubeck, por exemplo, na primeira faixa, no tema "Blue Rondo à la Turk" começa com um compasso em 9/8 (mas com uma subdivisão de 2+2+2+3  (o padrão normal para o 9/8 seria de 3+3+3) o que cria uma sensação de instabilidade.
A busca pela ruptura dos ritmos no meu entender tem um paralelo nas artes plásticas com a busca de novas configurações propostas com artistas como Joan Miró, inclusive dele é a capa do famoso disco no qual Brubeck populariza esta procura.
Na parte harmônica, muitos artistas se entusiasmaram pelo uso de novos acordes que incorporaram dissonâncias; esta nova estética que começara a ser usada por compositores impressionistas como Claude Debussy ou Maurice Ravel influenciou músicos de jazz como Thelonius Monk e Bud Powell, pianistas de bossa nova como Luiz Eça ou do tango novo como Atilio Stampone.
Temos também que a música popular ganha em nuances quando ela utiliza dinâmicas, diferentes intensidades no seu comportamento, ao mesmo tempo ela cresce incorporando interlúdios e diferentes pontes na suas formas tradicionais, formas que raramente passam de parte A, B  e C ou verso e refrão no estado primitivo.

Reunindo os mundos.

Podemos citar as experiências de músicos como Pat Metheny Group no tema “Minuano”, Chic Corea  no tema  “Falling Alice” , Miles Davis no disco “Sketches of Spain” (1960) ou os dois discos de Charlie Parker com cordas, oboé, arpa e trio de jazz, ,para constatar que todas estas músicas dialogam perfeitamente entre os atributos dos dois territórios produzindo experiências bem sucedidas em termos artísticos
O uso das ferramentas das duas fontes exige um estudo e uma convivência para que o amalgama se torne natural ; entre os artistas atuais que percorrem este caminho podemos achar no Brasil o projeto do Jaques Morelenbaum e Cello Samba Trio ,os diferentes discos do Egberto Gismonti , o grupo Pau Brasil , os arranjos sinfônicos para a obra de Edu Lobo e João Bosco, o disco “Ouro Negro” dedicado a Moacir Santos,os projetos do pianista André Mehmarimais recentemente o disco do quarteto Universo Diverso que interpreta Hendel e Chopin com uma atitude espontânea.

Em Cuba esta estética tem continuidade nos projetos de Chucho Valdes nos quais ele mistura as raízes do Candomblé com um contexto atual de jazz contemporâneo; na Argentina o pianista  Enrique "Mono" Villegas tocava no mesmo espetáculo Schumann, Bartok  e jazz;   podemos lembrar também as experiências com o folclore como a do Waldo de los Rios no inicio da sua trajetória ou a de músicos como Pablo Aslán, Carlos Franzetti ou Daniel Binelli afirmam esta tendência.

 

Conclusões

Teatros, selos, prateleiras, programadores de rádio, críticos e curadores de festivais dividem algo que esta junto na natureza, no nosso dia a dia, desde os primórdios da humanidade.
Decompor uma programação musical ou um enfoque de ensino em conteúdos populares e ilustrados parece algo artificial, mas é o que mais temos no nosso cotidiano.
O que esta atrás de esta visão dividida no fundo envolve questões como o racional e o intuitivo, o escrito e o improvisado. Atrás desta fenda aparecem as forças que sustentam a divisão, de um lado a  cultura acadêmica cientificista e do outro a cultura oral, ancestral, no fundo a velha ideia hierárquica entre  civilização e  barbárie
Se na vida real de um músico ou de um ouvinte estas duas correntes são aceitas de modo natural  como afines, não podemos deixar que elas apareçam enfrentadas e irreconciliáveis no mundo fora .
Se o mito fundador da música na sua essência é popular ele se desenvolve com as elaborações do espírito artístico em uma relação amorosa, não de conflito.    .