Existem muitas formas de olhar para o tango de Piazzolla e o tango tradicional. Alguns não conseguem se confrontar com a multiplicidade como partes de um todo, ao contrário criam uma hierarquia e consideram o tango de Astor como algo que, de algum modo, traiu a música de Buenos Aires, outros o aceitam naturalmente como novo tango ou como apenas boa música.
Seguramente estes últimos poderão tirar mais proveito da escuta.
O percurso.
O Tango teve uma pré-história afro-portenha, desde 1850 até o começo do século vinte. Depois nos anos 20, num período conhecido como a Velha Guarda , reconhecemos autores como Rosendo Mendizabal, um afro descendente que compôs o tango "El Entreriano", ou Angel Villoldo, com milongas como "El Porteñito".
Nos anos 30 nasce a Guarda Nova, com Julio De Caro , Gardel. Nos anos 40 se dá a Idade de ouro do Tango com músicos como Troilo e nos fins dos 50 e início dos anos 60 nasce o Novo Tango.
A modernidade..
Se criou uma vanguarda, esta vanguarda teve influencias da música clássica e seus compositores revolucionaram o estilo. Piazzolla, por exemplo, se baseia em influencias folclóricas e cria a partir de matrizes ancestrais elaborações inéditas, incorporando experiências do seu conhecimento erudito de música, reunindo nessa miscelânea elementos do barroco e do contemporâneo.
A fusão e o hibrido.
Para descrever o novo tango poderíamos aceitar a denominação FUSÃO, entendo esta nomenclatura por referência a uma mistura de estilos que acabam produzindo um terceiro, ou poderíamos descrevê-lo acolhendo o termo HIBRIDO, entendendo este conceito como uma possibilidade criada a partir de uma combinação provocada por duas raízes diferentes.
Agora, há o risco de cometermos alguns maus entendidos ao utilizarmos estes termos, pois por um lado, a palavra FUSÃO (FUSION) em música está relacionada a um movimento de jazz rock de gosto suspeito, que surgiu na América nos anos 70, e por outro lado o HIBRIDO se constitui em um movimento recente no qual se permite a um músico, em algum sentido, se apropriar de uma obra e mudá-la inteira ou parte dela como bem entender.
Puristas e mutantes.
Podemos aceitar a divisão entre puristas (estes representados pelos músicos mais clássicos do estilo) e de mutantes (músicos que participam do tango novo e que incorporaram sonoridades, ritmos e formas que não estavam presentes até os anos 60).
Estas categorias tem algo de proveitoso e algo de contraproducente; o purismo pode chegar a ser conservador (Darienzo) ou guardião de uma sonoridade clássica (como é o caso de Pugliese ou Troilo); o mutante pode representar uma força dinâmica criativa que atualiza a tradição como Salgán, Rovira e Piazzolla ou uma tentativa desnecessária como é o caso do tango Project.
Os anos da mudança.
Se a gente se situa, os anos 60 eram os anos da revolução cubana, da publicação do Jogo da Amarelinha de Cortazar, a revolução sexual... enfim, um momento de experiências, de rupturas e reestruturações.
Nos anos 60 nasce um movimento que atingiu todo o continente e que marcou o fim do período dos estilos populares ligados com a dança. Esta nova era foi em direção de uma musicalidade mais sofisticada, onde o atrativo passa a ser a apreciação do ouvinte.
O mesmo aconteceu com o be-bop em relação ao swing, e com a bossa nova em relação ao samba.
Novos olhares.
Tango portenho e tango nômade.
No texto da palestra de 2005 de G.O.Brunelli se encontram outras perspectivas para descrever o fenômeno Piazzolla
Andrea Marsilli na sua tese de doutorado defende a ideia da potencialidade de mutação no tango rio-platense e chama a Piazzolla do primeiro nômade, destacando uma distinção entre o que seria o tango portenho e o tango nômade (categoria criada por Ramón Pelinski).
Estes conceitos afirmam que: o tango portenho seria o tango com seu território, no seu lugar de origem, um tango sedentário em oposição a um tango nômade, impuro, transcultural, cosmopolita.
Estas categorias discutem a autenticidade, já que no primeiro a identidade é forte e o segundo nasce de uma mestiçagem, a partir de esta consideração Andrea Marsilli surge a pergunta se a música de Piazzolla é ou não tango, se é tango nômade ou se a música de Astor nos levaria a desconhecer o nome mesmo de um estilo e nos convidaria a pensar em pessoas mais que em categorias.
Ela afirma que a resposta seria contemplada pela totalidade das questões. Pelinski, em 1982, já considerava a flexibilidade do tango e como estilo aceitava múltiplos tratamentos.
Discute-se quais seriam os códigos do novo tango , qual é a possibilidade de mutação do gênero, qual seria o limite entre o tango portenho e o nômade, considerando o de Piazzolla como um tango nômade que surge do portenho.
Piazzolla aos olhos de Brunell representa uma continuidade lógica para o tango e seu território; sua raiz, sua identidade, embora aceita com restrições na Argentina, foi reconhecida no mundo todo.
Final.
As categorias nos aproximam da possibilidade de entender as diferencias e os processos históricos que produzem os movimentos artísticos.
Porem nada substitui a disposição necessária para ver nos opostos estéticos posturas igualmente belas e valiosas.
A música se afirma como um todo imponente que nunca exclui as mais variadas possibilidades e formas que seus estilos possam ter. Aceitar esta multiplicidade nos ajuda a nos tornar-nos ouvintes mais abertos.
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