sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Gricel

A historia do Tango Gricel.





A realidade muitas vezes alimenta a poesia ao ponto de eternizar uma historia de amor com o nome de uma mulher: é o caso do tango Gricel.
O tango conta nos seus versos os desencontros do amor: ”Faltou–me depois tua voz/ e o calor do teu olhar/ e como um louco te busquei/ mas nunca te encontrei /e em outros beijos me aturdi./ Minha vida toda foi um engano”!
A poesia envolve a narração do amor de uma bela dama e um poeta. Susana Gricel Viganó tinha quinze anos quando em 1935 conheceu, no auditório do LS8 Radio Stentor, ao locutor do programa José María Contursi, de 24 anos, popular na noite portenha com o apelido de Catunga.
Ela, uma bela loira de olhos claros e ele um dandi. Filho de Pascual Contursi (um dos pioneiros do tango canção), José María tinha herdado aquela veia poética. Quando conheceu Gricel sua vida ficou marcada para sempre.
Os dois foram impactados, mas existiam pedras no caminho: além dele ser casado, ela morava na cidade de Córdoba e ele em Buenos Aires. Durante 3 anos se escreveram até que ele foi ao encontro da sua amada para afirmar o namoro, o reencontro foi fugaz .




Gricel estava longe, mas perto da sua memória, o drama do amor finalmente inspirou uma poesia derradeira batizada com seu nome em 1942.
“Não devi pensar jamais/ em lograr teu coração/ embora eu te busquei/até que um dia te encontrei/ e com meus beijos te aturdi/sem importar-me que eras boa
/ Tua ilusão foi de cristal/ se rompeu quando parti/ mas nunca… nunca mais voltei/ que amarga foi tua pena!” , Nascia o mito: Gricel.
O romance foi intenso e frágil, ao mesmo tempo,esta imagem tal vez tenha inspirado o poeta a escrever os versos do tango Cristal composto em 1944: “Mais frágil que o cristal/ foi meu amor/ junto a ti...”
Vinte anos depois, Catunga ficou viúvo e Gricel também estava só, o reencontro agora aconteceu de verdade. Casaram-se em Córdoba o 16 de agosto de 1967: ele com56; ela com 47. Viveram felizes por 5 anos até a partida do poeta. O nome da musa ficou eternizado para sempre em um tango com música de Mariano Mores.
A bela melodia foi cantada por músicos como Goyeneche e Alberto Spinetta; a historia alimenta mais uma lenda do amor feito tango: “E hoje vivo enlouquecido/porque não te esqueci/nem te lembras de mim...Gricel! ¡Gricel!


Letra. 














No debí pensar jamás
en lograr tu corazón
y sin embargo te busqué
hasta que un día te encontré
y con mis besos te aturdí
sin importarme que eras buena...
Tu ilusión fue de cristal,
se rompió cuando partí
pues nunca, nunca más volví…
¡Qué amarga fue tu pena!

No te olvides de mí,
de tu Gricel,
me dijiste al besar
el Cristo aquel
y hoy que vivo enloquecido
porque no te olvidé
ni te acuerdas de mí...
¡Gricel! ¡Gricel!

Me faltó después tu voz
y el calor de tu mirar
y como un loco te busqué
pero ya nunca te encontré
y en otros besos me aturdí…
¡Mi vida toda fue un engaño!
¿Qué será, Gricel, de mí?
Se cumplió la ley de Dios
porque sus culpas ya pagó
quien te hizo tanto daño.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Novo Tango

Teorias sobre Piazzolla.

Existem muitas formas de olhar para o tango de Piazzolla e o tango tradicional. Alguns não conseguem se confrontar com a multiplicidade como partes de um todo, ao contrário criam uma hierarquia e consideram o tango de Astor como algo que, de algum modo, traiu a música de Buenos Aires, outros o aceitam naturalmente como novo tango ou como apenas boa música.
Seguramente estes últimos poderão tirar mais proveito da escuta.
O percurso.
O Tango teve uma pré-história afro-portenha, desde 1850 até o começo do século vinte. Depois nos anos 20, num período conhecido como a Velha Guarda , reconhecemos autores como Rosendo Mendizabal, um afro descendente que compôs o tango "El Entreriano", ou  Angel Villoldo, com milongas como "El Porteñito". 
Nos anos 30 nasce a Guarda Nova, com Julio De Caro , Gardel. Nos anos 40 se dá a Idade de ouro do Tango com músicos como Troilo e nos fins dos 50 e início dos anos 60 nasce o Novo Tango.
A modernidade..
Se criou uma vanguarda, esta vanguarda teve influencias da música clássica e seus compositores revolucionaram o estilo. Piazzolla, por exemplo, se baseia em influencias folclóricas e cria a partir de matrizes ancestrais elaborações inéditas, incorporando experiências do seu conhecimento erudito de música, reunindo nessa miscelânea elementos do barroco e do contemporâneo.
A fusão e o hibrido.
Para descrever o novo tango poderíamos aceitar a denominação FUSÃO, entendo esta nomenclatura por referência a uma mistura de estilos que acabam produzindo um terceiro, ou poderíamos descrevê-lo acolhendo o termo HIBRIDO, entendendo este conceito como uma possibilidade criada a partir de uma combinação provocada por duas raízes diferentes.
Agora, há o risco de cometermos alguns maus entendidos ao utilizarmos estes termos, pois por um lado, a palavra FUSÃO (FUSION) em música está relacionada a um movimento de jazz rock de gosto suspeito, que surgiu na América nos anos 70, e por outro lado o HIBRIDO se constitui em um movimento recente no qual se permite a um músico, em algum sentido, se apropriar de uma obra e mudá-la inteira ou parte dela como bem entender.
Puristas e mutantes.
Podemos aceitar a divisão entre puristas (estes representados pelos músicos mais clássicos do estilo) e de mutantes (músicos que participam do tango novo e que incorporaram sonoridades, ritmos e formas que não estavam presentes até os anos 60).
Estas categorias tem algo de proveitoso e algo de contraproducente; o purismo pode chegar a ser conservador (Darienzo) ou guardião de uma sonoridade clássica (como é o caso de Pugliese ou Troilo); o mutante pode representar uma força dinâmica criativa que atualiza a tradição como Salgán, Rovira e Piazzolla ou uma tentativa desnecessária como é o caso do tango Project.
Os anos da mudança.
Se a gente se situa, os anos 60 eram os anos da revolução cubana, da publicação do Jogo da Amarelinha de Cortazar, a revolução sexual... enfim, um momento de experiências, de rupturas e reestruturações.
Nos anos 60 nasce um movimento que atingiu todo o continente e que marcou o fim do período dos estilos populares ligados com a dança. Esta nova era foi em direção de uma musicalidade mais sofisticada, onde o atrativo passa a ser a apreciação do ouvinte.
O mesmo aconteceu com o be-bop em relação ao swing, e com a bossa nova em relação ao samba.
Novos olhares.
Tango portenho e tango nômade. 
No texto da palestra de 2005 de G.O.Brunelli  se encontram outras perspectivas para descrever o fenômeno Piazzolla

Andrea Marsilli na sua tese de doutorado defende a ideia da potencialidade de mutação no tango rio-platense e chama a Piazzolla do primeiro nômade, destacando uma distinção entre o que seria o tango portenho e o tango nômade (categoria criada por Ramón Pelinski).
Estes conceitos afirmam que: o tango portenho seria o tango com seu território, no seu lugar de origem, um tango sedentário em oposição a um tango nômade, impuro, transcultural, cosmopolita.
Estas categorias discutem a autenticidade, já que no primeiro a identidade é forte e o segundo nasce de uma mestiçagem, a partir de esta consideração Andrea Marsilli surge a pergunta se a música de Piazzolla é ou não tango, se é tango nômade ou se a música de Astor nos levaria a desconhecer o nome mesmo de um estilo e nos convidaria a pensar em pessoas mais que em categorias.
Ela afirma que a resposta seria contemplada pela totalidade das questões. Pelinski, em 1982, já considerava a flexibilidade do tango e como estilo aceitava múltiplos tratamentos.
Discute-se quais seriam os códigos do novo tango , qual é a possibilidade de mutação do gênero, qual seria o limite entre o tango portenho e o nômade, considerando o de Piazzolla como um tango nômade que surge do portenho.
Piazzolla aos olhos de Brunell representa uma continuidade lógica para o tango e seu território; sua raiz, sua identidade, embora aceita com restrições na Argentina, foi reconhecida no mundo todo.
Final.
As categorias nos aproximam da possibilidade de entender as diferencias e os processos históricos que produzem os movimentos artísticos.
Porem nada substitui a disposição necessária para ver nos opostos estéticos posturas igualmente belas e valiosas.
A música se afirma como um todo  imponente que nunca exclui as mais variadas possibilidades e formas que seus estilos possam ter. Aceitar esta multiplicidade nos ajuda a nos tornar-nos ouvintes mais abertos.

domingo, 18 de setembro de 2016

O papel da Arte.


Arte e revolução.

A questão que envolve a relação entre arte e política tem vários lados, diferentes abordagens, por exemplo, existe uma arte revolucionaria no sentido de que esta , em um momento da historia, muda os padrões estéticos, uma perspectiva nova que realmente produz uma virada de pagina. Isto ocorreu na música, por exemplo, nos anos 40/50 com o Be bop nos EE.UU , com Tom Jobim no Brasil e Astor Piazzolla na Argentina.
A primeira perspectiva seria então considerar o significado revolucionário na dimensão de algo que estivesse mudando a historia da arte, esclarecendo que esta ruptura nunca seria entendida como inaugural, mas como recriação de uma tradição.
Ainda temos dois outros significados, quando falamos de arte e revolução; teríamos o tema das lutas pelos direitos autorais, pela organização sindical, em fim, pelas conquistas materiais, entendendo aqui ao artista como um trabalhador inclusive incorporado o tema da sua ideologia de sua toma de partido.
Estamos considerando agora então, não a obra, mas a vida do artista ativista como um ato revolucionário, podemos citar muitos artistas engajados em lutas políticas: é o caso de Osvaldo Pugliese na Argentina ou Claudio Santoro no Brasil.
Em terceiro lugar o sentido do revolucionário estaria ligado a uma estética da arte. Esta estética discutiria se a arte, na sua temática, deveria expressar conteúdos engajados, didáticos que poderiam desenvolver ou inspirar ações revolucionarias empíricas nos espectadores ou se o sentido de liberdade na arte estaria evidenciando seu conceito revolucionário sem necessidade de servir a outros propósitos que não sejam os artísticos em si mesmos.
Este artigo se propõe se debruçar sobre esta ultima questão, a arte seria revolucionaria quando ela esta expressando ideais políticos ou a arte livre de qualquer intencionalidade seria uma arte verdadeira e transformadora?

A questão da excelência.

Muitas respostas aparecem no ar, à primeira em uma ordem que envolve questões de jerarquia e de evidencia entendemos que seja a qualidade, a excelência da obra um primeiro ponto visível que nos serve como parâmetro orientador para fazer uma apreciação.
Então privilegiamos uma obra desde o ponto de vista estético, avaliamos os méritos artísticos primeiro independente de que exista ou não um discurso político.
Desdobramos aqui uma segunda questão ligada com a percepção que tem que ser considerada, isto por que alem de mais nada, existem formas de arte como a música instrumental, a dança e as artes plásticas onde o propósito artístico aparece em um estado puro; de outro lado nas canções com letras, na literatura, na ópera, no teatro e no cinema o plano da significação introduz outro nível de apreciação.
Introduzido a problemática das artes mistas, afirmamos que de todos modos, nas formas artísticas onde existe um discurso explicito estas manifestações também são avaliadas na sua importância artística independente do seu discurso ideológico.
A questão de privilegiar um enfoque só.
Vamos observar agora casos nos quais se privilegia apenas conteúdos que sejam de fundo político e como esta postura podem se materializar em poder no que ele tem de controlador e discriminatório. 

Arte livre.

Na tradição da esquerda internacional, no stalinismo e no trotskismo encontramos duas posturas diferenciadas.
A primeira se inclinaria por uma arte ao serviço de um conteúdo de denuncia da exploração, de registro das lutas e a segunda entenderia que a arte teria que ser livre de qualquer finalidade ou mensagem político.
O principio essencial para Trotsky seria que a arte não seja um meio e sim um fim em si mesmo, o realismo socialista, defendido pelo Stalin, ao contrario defenderia a postura de que a arte teria que ter um engajamento político.
 Trotsky diz que a autêntica criação artística não pode ser subordinada a nenhuma “exterioridade” política ou de qualquer natureza. Isso é o propriamente “revolucionário” da arte, e não sua temática ou seus conteúdos intencionais.
Mas a “liberdade” de Trotsky no que diz respeito à criação artística não implica em modo algum em nenhum tipo de neutralidade de valor ou indiferença ética. Trotsky dá essa autonomia da “autêntica criação artística” um papel positivamente libertário.
Em uma carta de Trotsky a André Bretón, expoente do movimento surrealista, citada por Eduardo Grüner em seu prólogo à obra O encontro de Breton e Trotsky no México, Trotsky se refere a este tema desta maneira: “Na arte, o homem expressa sua necessidade de harmonia e de uma existência plena que a sociedade classista nega”.
Ao mesmo tempo ele não nega o valor de uma arte engajada; Trotsky no capitulo V de literatura e revolução afirma que: “Durante a revolução, a literatura (a arte) que afirma aos operários na sua luta contra os exploradores é necessária progressista”.

O capitalismo em relação à arte.

Corretamente o marxismo entende que o capitalismo enxerga todo desde seu ponto de vista predador, ele se relaciona com a arte, a educação, com a religião, com as relações humanas visando apenas sua possibilidade lucrativa, assim o artista no capitalismo teria sua obra transformada em mercadoria refém das leis do mercado.
O marxismo critica também a estética desenvolvida no capitalismo como uma arte evasiva, complacente que de modo subliminal exerce um elogio do estereótipo da sociedade dominante modelando a consciência, produzindo subjetividade e domínio ideológico. Ainda ele denuncia: "O capitalismo é hostil a certas ramas da produção intelectual, como a arte e a poesia" (Marx ,Teorias sobre a mais-valia).
Para Marx o embotamento da sensibilidade ou sua apertura tem sua historia e sua genealogia, a alienação implica a expropriação das próprias forças produtivas e entre elas se encontra a capacidade artística, faculdade revolucionaria por excelência. (Marx, Manuscritos de 1844. Primeiro  Manuscrito: O trabalho alienado).

O papel da arte.

A arte não é entretenimento, evasão ou apenas um fenômeno que nos permite prazer estético.
Fora do nosso dia a dia, das diferentes manifestações artísticas com as que nos deparamos no  cotidiano, quando nos detemos a escutar um concerto de Bill Evans e apreciamos seu lirismo, um filme de Monicheli e contemplamos sua excelência , um conto de Dostoievski e mergulhamos nos subsolos da alma humana, nossa percepção é levada para sentimentos e sensações que superam o que consideramos  soberbo (o belo) no campo material e nos coloca em contato com emoções que pertencem a planos fora do que admiramos com os sentidos (o sublime, a transcendência).
Poder contemplar as virtudes de uma tragédia de Ésquilo, a liberdade e a entrega da interpretação do piano de Keith Jarret  ou as cores impactantes de um quadro de Mattise, nos permite  desenvolver capacidades que nos abre visões no campo da sensações e no plano da imaginação, do arrebatador.
Ampliar parâmetros de apreciação artística nos coloca fora de uma indigência humana e nos permite avançar tanto no descobrimento de virtudes de ordem técnico (aprender a avaliar o grau de sofisticação de um ator, de um roteiro, da iluminação de um filme, por exemplo) como de exercer nossa sensibilidade no sentido de provocar emoções comoventes, geralmente diluídas em manifestações artísticas menores que se nos apresenta no dia a dia da nossa vida cotidiana.

Fim.

A pratica artística, a apreciação abre as janelas da criatividade e de experiências que  fazem transcender ao homem em um universo poético , livre que o realiza e o enriquece .