O Candomblé na musica brasileira
A macumba.
Muita gente associa o Candomblé com bruxaria, com
oportunistas que prometem milagres em troca de dinheiro, no dia a dia se confunde
a cultura negra com superstição, poucos sabem do universo africano mais intuem
que seja algo ligado ao mal, ao charlatanismo ou olham para isso como algo
produto da própria barbárie humana.
Ao contrario quem conhece sabe que existe uma tradição e uma
historia de respeito relacionada com quem detém este conhecimento, uma das
pessoas que mais ajudou a divulgar o Candomblé no Brasil, por exemplo, foi a
rainha africana Agotimé, trazida como escrava , ela desembarcou na
ilha de Itaparica e acabou fundando a “Casa
das Minas”, de São Luís do Maranhão, em meados do século XIX.
Menciono este fato
apenas para que se saiba que existe uma ancestralidade que qualifica o
Candomblé, estamos frente a um conjunto de idéias, de mitos, de música, de
dança, de roupas, oferendas que existem desde os primórdios da humanidade.
Na realidade se trata de
uma serie de cultos e rituais de varias regiões diferentes da África que se
reuniram na América (Haiti, Cuba, EE.UU, Brasil) como algo único apenas pelo
fato que os escravos teriam que se unir em um ritual só.
A musica.
A música no Candomblé pode
ser apreciada como um meio para se relacionar com as divindades, isto já nos
coloca numa dimensão sagrada é poética do fazer musical.
Sendo a música uma
linguagem privilegiada no diálogo dos orixás, o toque pode ser entendido como
um chamado, ou uma prece.
Não se trata de um
entretenimento nem uma expressão estética, estamos frente a um fenômeno que
vincula o músico (chamado de Ogã) com o mundo transcendente, os tambores
invocam aos Orixas.
Existe toda uma formação
instrumental das cerimônias, a instrumentação é formada por um agogô (de uma
boca ou duas ) chamado Gã , temos o Xequerê (chamado de Abê) e três atabaques de diferentes tamanhos, existe
, inclusive uma jerarquia, o músico mais experiente toca o Rum (tambor maior) que é o que comanda ( o solista, também
chamado de ogâ Alabê) e ainda temos mais
dois ogãs que tocam o Rumpi e o Lê (dois tambores menores).
Também são
utilizados outros instrumentos que, não fazendo parte da “orquestra”, têm
funções específicas. é o caso do Adjá, um sino de uma a sete bocas (campânulas)
cuja principal atribuição é provocar o transe quando agitado sobre a cabeça
O Solista
Ao contrario do que
temos no mundo ocidental onde os sons graves são os que conduzem a melodia ou
são os solistas no Candomblé o sons graves são os se comportam de modo mais
protagonista.
As frases que toca
o Run (Tambor solista) não são
improvisos, elas estão em consonância com os movimentos do Orixa que esta
“baixando” numa pessoa,
assim, com seus ritmos característicos, cada orixá expressa, na linguagem
musical e gestual, suas particularidades.
O aprendizado
A educação dos novos ogãs
se dá como em outros grupos sociais (ciganos, por exemplo) desde criança, de
forma oral, e no dia a dia fazendo que este aprendizado seja completamente
natural e que produz uma identificação total entre o aprendiz e o conhecimento.
Conheço o caso de Nei de
Oxosse e de seu pai, seu Erenilton ( da
casa de Oxumarê na Bahia) onde se pode constatar como a riqueza de toda uma
cultura passa de geração em geração, neste caso especifico consegui verificar como
o pai formou um dos maiores ogãs do
Brasil.
A influencia na musica
brasileira
Existe uma influencia
indireta da música do candomblé em alguns ritmos e cantos no Brasil, por exemplo,
no Recife a maioria das pessoas que participam dos grupos musicais, os chamados
“brincantes”, do Maracatu e do Cavalo Marinho,
praticam o Candomblé.
O mesmo acontece com os
que participam de grupos de Jongo, de Folia de Rei, de Bumba meu boi (ritmos
africanos que não são do Candomblé) o fato de que as pessoas frequentem os
terreiros resulta que muitos dos ritmos, fraseados e tipos de interpretação se misturem.
A influencia direta
Temos o legado direto,
por exemplo, temos frases do agogô do ritmo chamado Cabula que é o ancestral da
frase do tamborim que encontramos no Samba de roda na Bahia e depois no Samba
carioca.
Temos os toques do ritmo
Ilú que podemos encontrar como base da caixa da Escola de Samba Estação
Primeira de Mangueira.
Temos o Afoxê, que foi
um ritmo criado no Brasil para unir aos terreiros de diferentes etnias como o
Ketu, Angola, Jeje que foi incorporado na música popular brasileira por
compositores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Donato e muitos outros.
Existem compositores
como Baden Powell com seus Afro Sambas , Vinicius de Moraes, Pixinguinha em
composições como “Benguelê” ou cantoras como Maria Bethania e Clara Nunes que
dedicaram também boa parte da sua obra a estes ritos africanos.
Os ritmos
Conheço alguns ritmos
que fazem parte do universo do Candomblé, ritmos como o Alujá que é em 6/8 e
que ainda não foi incorporado na música popular brasileira mais que com seu
swing ele provoca todo um movimento interpretativo na dicção das semicolcheias.
A pronuncia das quatro
semicolcheias que são à base de todos os ritmos brasileiros e cubanos quando
são interpretadas com este outro sentimento ganham muito mais movimento e
provocam uma espécie de superposição que permitem uma pronuncia muito mais
dinâmica, quando escutamos uma Rumba cubana, por exemplo, é difícil saber se
esta em 4/4 ou em 6/8 devido a este efeito.
Reconheço, alem dos
citados, ritmos que fazem parte do
Candomblé como o Congo, Opanijé,
Barravento, Vamunha e
muitos outros ...
A educação e o futuro
Existem músicos no mundo
como Chucho Valdes que mistura todos os elementos do Candomblé de Cuba com o
jazz, uma espécie de afro-jazz.
No Brasil a Rumpi Less
orquestra também se inspira nos ritmos do Candomblé mais ainda é pouco.
A riqueza rítmica é tão
grande, se trata, na realidade, de varias culturas que emigraram juntas, como
se tivessem cubanos, argentinos, brasileiros exilados em outro mundo e
formassem uma nova identidade a partir do Tango, Samba, Salsa....assim é a
música ancestral..eu reconheço mais de 15 ritmos todos eles com sua
personalidade própria.
Se ainda pensamos que no
Candomblé de Cuba (na Santeria) a instrumentação e os ritmos são diferentes
temos um verdadeiro arsenal tímbrico e musical que nos proba a riqueza deste
imenso tesouro.
Penso que as academia
deveriam iniciar as pessoas na valorização desta tradição assim como se estuda
barroco ou qualquer outro movimento histórico nas universidades
Vamos entre todos, os
que simpatizamos com esta cultura, tentar mudar o olhar para esta tradição e valorizar
as lendas, os mitos, os cânticos para alimentar o nosso cotidiano com esta
riqueza verdadeira.