domingo, 11 de março de 2018

Ayon .


 O Orixá do Tambor.


Existem divindades que representam a magia que vive nos músicos, que tocam
 instrumentos de percussão e no próprio tambor. Nos mitos sagrados mais
 antigos, e no Candomblé encontramos uma historia muito enriquecedora 
e pouco conhecida que narra esta lenda. Trata-se do Orixá do Tambor.
É fascinante observar como no rito o instrumento é considerado sagrado, 
como o som é  considerado um meio de comunicação com força
 transcendentes e como os instrumentistas (Ogan) têm essa missão de 
permitir que o Orixá da música (Ayon) se expresse, sem que isto envolva
 nenhuma vaidade pessoal.
Longe deste comportamento, os músicos hoje perderam a relação com
 o sagrado, com seu próprio instrumento, com seu lugar na arte e se 
importam mais com sua ostentação pessoal que em evocar os Deuses do som.
A narração ancestral mostrada mais a frente, está em perfeita harmonia
 com o que o saxofonista John Coltrane entende por música e evoca em
 composições como LOVE SUPREME.


Ayon o Orixá da música. -1

O tambor é considerado sagrado é tratado como uma criatura vivente, que deve ter cuidados específicos e uma variedade de regras para o seu uso.
A força espiritual contida no tambor, que o consagra, é chamada de ”Ayan” ou ”Ayon", o Orixá do tambor. Para que alguém possa ser iniciado em Ayon e tocar o tambor, deve cumprir rígidos rituais religiosos.
 No Brasil esta tradição praticamente se perdeu, mas foi mantida na Nigéria e Benin (a Terra Yorubá) e em Cuba.
 O iniciado recebe a força espiritual necessária para tocar os tambores de forma correta, para que estes possam "falar" com os Orixás, chamando-os para as cerimônias a eles dedicadas. Ayon representa a expressão sonora das Divindades; ele é a alegoria do tambor que serve como depositário dos poderes Divinos , e como veículo que lhe dá a voz.
A consagração de Ayon no tambor Batá é feita por meio de ritual e elementos litúrgicos sagrados, que ficam dentro do tambor, que é selado hermeticamente com as duas peles. Quando Ayon é assentado no tambor este é chamado de "Eleekoto". O ritual de consagração inclui pintura do tambor com a assinatura de Xango.
Eleekoto é simbolizado por uma miniatura de tambor que não pode ser tocado, pois simboliza "Ayon".
A lenda.
Diz uma lenda da divindade Ayan/Ayon, que Olódùmarè (o Deus Supremo) o chama para aprender o poder de cada Orixá, para ensinar os homens a louvá-los através do canto, da dança e dos ritmos sagrados. Na verdade o próprio instrumento - o tambor - é considerado como a veste material de um espírito e dizem os mitos, que cada tambor possui seu espírito elementar, que se materializa dentro dos mesmos durante as cerimônias para que o rito tenha prosseguimento segundo a forma do pensamento do templo em questão, de acordo com o Orixá regente da casa.

Algumas narrativas sobre Ayon.-2

Aiyon era o mais forte de todos os seres e ninguém o igualava. Certa vez Lorundi lhe disse que Irõko (arvore ancestral - 3) era mais forte do que ele. Sem pensar, Ayon, foi até Irõko e o arrancou com apenas uma mão e o povo disse que Aiyon era mais forte.
Após desmiolar o tronco de Iröko, ele o cobriu com um couro e fez um aketé. E um dia, ao chover, o couro ficou mole e ele pôs   o atabaque em pé ao sol e ficou retumbando, (assim, ele inventou o atabaque).
Ayon começou a tocar para o povo dançar, em muitas cidades onde recebia dinheiro aos seus pés. Um dia, certa mulher quis tocar, mas ele não queria ensinar; em determinado momento ele foi para a mata com ela e quando ele dormiu ela tocou o atabaque.

Ao acordar, Ayon jogou a mulher longe e com isso o atabaque não ficou bom mais. Ao irem a um sacerdote, ele ficou sabendo que a mulher "tava fraca" de Bajé (menstruada), assim ele teve que fazer uma oferenda para o atabaque para que ele ficasse bom novamente. 

Daí o motivo da mulher não tocar atabaque no Candomblé.
De todo modo, sabemos que no culto Ijexá é comum as mulheres tocarem para Logunede por causa de um encantamento. -4
Mais narrativas sobre Ayon.-5

 Ayon é a potestade que encerra alguns dos maiores mistérios da profunda iniciação, pois está ligado a praticamente todo o sistema de equilíbrio das divindades, estando presente no começo e no fim do mundo, atuando na ritualística de todos os Orixás.



É o espírito da Música e segundo os mitos antigos; morava dentro do tambor no princípio dos tempos.

Ayon é a entidade que ensinou os homens a falar, a cantar e a preservar e viver a música como fonte de equilíbrio e estabilidade.

Um tambor bem preparado é um verdadeiro ser vivo, e quase sempre o espírito de Ayon, quando se manifesta nele, induz o Alabê (Ogan- músico) a executar ritmos extremamente hipnóticos e complexos, pois os tambores chegam a “falar” sozinhos.
O preparo de um tambor para Ayon requer muitos cuidados dentro da magia, pois desde a construção até a preparação são utilizados diversos materiais para a consagração, que vão do azeite ao mel, elementos de alguns peixes e resinas de árvores, etc. Um especial cuidado com as tiras que prendem o couro, com elementos diferenciados e polêmicos é indispensável.




Considerações finais.


Os músicos são na realidade instrumentos que permitem que os tambores cantem e atinjam uma transcendência. A beleza desta relação se perdeu, assim como se perdeu o sentido sagrado da música.  Talvez, este mito de Ayon nos permita retomar o elo perdido com a nossa missão.

Notas.


1-Blog Candomblé é para todos.
2-Blog do Babaloorisa Carlos Jose.
3-Iroko é um Orixá muito antigo. Iroko foi à primeira árvore plantada e pela qual todos os restantes Orixás desceram à Terra. Iroko é a própria representação da dimensão Tempo. Iroko é o comandante de todas as árvores sagradas, o vanguardeiro, os demais Osa Iggi devem-lhe obediência porque só ele é Iggi Olórun, a árvore do Senhor do Céu. (fonte- Blog Candomblé o mundo dos Orixás).
4-Segundo o pai de Santo Gustavo Ferreira.
5-Do blog Ilê Axé Casa dos ventos.

VIDEOS.
Aqui um vídeo muito ilustrativo para quem queira escutar a sonoridade dos batas cubanos. 
https://youtu.be/MrJQhgJyMS8