quinta-feira, 29 de novembro de 2018

DEIXA MALHAR


Historias do Samba.

Chegou até minhas mãos um belo livro que narra a historia da Escola de Samba ”Deixa Malhar” e de seu fundador Mano Elói. O livro se chama: “Escola de Samba Deixa Malhar”, seu autor é o historiador Sormani da Silva.
A historia se inicia quando o pesquisador conhece ao compositor Rubem da Vila e este o introduz na existência da Escola de Samba ”Deixa Malhar”, a partir do encontro se abre todo um universo que evidencia, entre outras coisas, como o Samba se torna “música nacional”, como nascem às primeiras Escolas de Samba nos anos 30 como formas de socialização do movimento negro, como líderes destas organizações conviveram com as religiões de origem africana, com experiências sindicais e com a historia das ocupações das favelas cariocas.
 Lendo o livro sabemos como a polícia fecha a “Deixa Malhar” uma década depois de sua criação o que implica um ataque ao movimento musical-social- político-religioso na época do Estado Novo, e como se estabelecem os pólos do Samba no Porto, na Tijuca, na Mangueira e em Madureira.

Os personagens.

Elói Antero Dias o Mano Elói nascido em 1888 no Vale da Paraíba, foi o primeiro cidadão do Samba, uma síntese do homem negro atuante, militante capaz de liderar todo um movimento histórico. Ele tinha a musicalidade ancestral do Candomblé, do Jongo e da Capoeira, era um operário engajado na luta política- social,  ao mesmo tempo sambista; em fim um protagonista central da historia da cultura de Rio de Janeiro.
Aqui duas gravações de 1930 onde podemos apreciar sua musicalidade.

O Nome da Escola.

“Deixa Malhar” evoca dois sentidos: a Malha era um jogo popular na época no qual, basicamente, se disputa a pontaria com ferraduras ou discos de metal apontando para um pino ,  ganha quem o derruba ou quem mais se aproxima do alvo; também o significado aponta para zombar, no caso seria similar a dizer: deixa que falem.

A criação e o fechamento da “Deixa Malhar”.

A Escola de Samba tinha o subtítulo de “Batuques e outras Sociabilidades”, sua sede ficou na Chácara do Vintém (hoje Tijuca) e sua existência durou entre 1934 e 1947 embora seu fechamento oficial ocorresse em 1943.
A criação do espaço em torno dos quais se organizara esta e outras Escolas de Samba foram ambientes de socialização das comunidades negras. Foram também, na realidade, desdobramentos das organizações das religiões africanas que serviram para fortalecer a vida comunitária no sentido da defesa e da consciência de classe.

A música.

Os sambistas eram habitualmente constrangidos e suas casas eram ameaçadas, o Samba era e um lazer, mas também uma arma e uma ferramenta de luta.
A idéia era reunir os amigos a partir da música, as agremiações tinham basicamente os compositores, a bateria formada por instrumentos de percussão (surdos, tamborins, cuícas e pandeiros) e o canto (na época não existia a figura do puxador, as estrofes eram cantadas de forma coletiva e o coro formado pelas pastoras cantava o refrão).

A época musical.

Brasil em 1937, com Getulio Vargas como presidente, fez um movimento de afirmação da identidade brasileira escolhendo o Samba como música nacional, esta escolha deu ao estilo uma visibilidade maior e serviu para sua estratégia de aliar sua figura com as manifestações populares.
O fato do Samba ser escolhido se bem deu legitimidade aos sambistas, não necessariamente fortaleceu as manifestações mais ligadas com sua raiz negra.
Isto normalmente ocorre quando as instituições se apoderam da arte, elas excluem as manifestações das comunidades e moldam os estilos ao gosto da indústria; deste modo a imagem do Brasil ficou atrelada com a imagem da Carmen Miranda, do Zé carioca da Disney e a composições como Aquarela do Brasil de Ary Barroso.
O Samba de Roda e os estilos populares que eram ouvidos na casa da tia Ciata, os Jongos tocados na Serrinha ou no barracão da “Deixa Malhar” não tiveram espaço por que a elite não queria um Brasil identificado com a negritude e sim com os “avanços urbanos”.
Aqui duas gravações que mostram o contraste

Mais discussões musicais.

Um dos capítulos mais interessantes do livro acontece quando toca no tema: ”Cultura negra e identidade nacional”.
Com Getulio Vargas o Samba ganhou legitimidade, esta unificação nacional em torno do Samba recebeu críticas de modernistas como Mario de Andrade que entendiam que esta escolha valorizava apenas uma das variantes musicais do Brasil.
De todos modos a idéia de valorizar um ritmo de origem negra provocaria uma mudança conceptual e a partir desta transformação teríamos a possibilidade de uma mestiçagem cultural, uma síntese antropofágica.
A postura de um homem branco no papel de civilizador do homem do morro, seria substituída pela idéia do homem erudito interpretar ,com muito respeito, o ser nacional do homem popular.
A resistência a considerar o popular como símbolo nacional não enxergava o valor das baianas ou do samba; na contramão o conceito de "síntese" teve acolhida em músicos como Villa Lobos e Radamés Gnatalli que reuniram o melhor do folclore brasileiro ao mundo da música clássica européia para, por meio a este diálogo, criar a identidade nacional.

O movimento.

A época era rica em musicalidade, se ouviam Jongos com Mano Elói , Maxixes com Sinhô e Sambas com  Noel Rosa, Wilson Batista, Lamartine Babo, Ary Barroso e muitos mais.
Aqui gravações ilustrativas.
Jongo
Wilson Batista
O Samba Madalena se zangou
O racismo e o anticomunismo.
As escolas de Samba pelo seu caráter anárquico e independente junto às agremiações ligadas ao partido comunista sofreram perseguições e repressão.
O fechamento da sede da “Deixa Falar” foi um golpe no movimento negro e significou uma estratégia de controle social.

FINAL

Recomendamos este livro para todo o mundo que ama a historia musical brasileira, terminamos nossa resenha com a frase do NASCIMENTO: “O tambor é fonte de ritmo cósmico, exerce a função de harmonizar as coisas: Deuses”.




   




  



domingo, 22 de julho de 2018

Arte popu- clássica.


Arte popu- clássica.

A música na América tem uma mesma raiz, ela é européia, indígena e africana, desta mistura nasce o jazz, o choro, o tango e o son cubano.
No inicio do século XX até 1960 no Brasil e na Argentina compositores como Heitor Villa Lobos, Radamés Gnatalli, Alberto Ginastera e Astor Piazzolla inspirados pelas raízes ancestrais desdobram estes ritmos e melodias com elementos da música clássica criando uma verdadeira revolução que no começo não agradou nem aos cultores da música de concerto, nem aos da música popular.
Anos se passaram para que estes criadores atingissem um espaço, as razões para desconsiderar estas obras tinham argumentos dos dois lados.
Dos puristas populares no Brasil argumentando que incorporar arranjos de cordas ao choro ou ao samba (como ocorreu com Radamês ou Tom Jobim) estaríamos desnaturando o estilo; na Argentina, que se mexêssemos com os ritmos do tango (como aconteceu com Astor Piazzolla e Eduardo Rovira) o tango iria acabar.
Do lado dos puristas do clássico também existia um desconforto por que utilizar um bandoneon como solista de uma orquestra sinfônica parecia uma profanação, ou orquestrar uma melodia de choro seria um no sense.
Hoje em dia, passados os anos, as brigas continuam, mas cresce a possibilidade de aceitar uma convivência entre os novos caminhos que os estilos estão percorrendo.
No caso dos puristas populares o ressentimento vem por que a forma de tocar tradicional aparece com o rotulo de datada e parece que simplesmente se deixa de atualizar por uma questão de moda, do lado dos puristas eruditos por que tem que dividir espaços na salas de concerto com expressões artísticas que para eles não tem valor.

Conclusão.


A arte é dinâmica e suas manifestações sendo verdadeiras sempre serão aceitas como válidas pelos espíritos sensíveis. A máxima que rege a arte é a da qualidade e se ela está presente teremos que apenas entender que se uma arte é verdadeira, por nenhum motivo poderíamos aceitar que seja  coagida sua liberdade.




domingo, 11 de março de 2018

Ayon .


 O Orixá do Tambor.


Existem divindades que representam a magia que vive nos músicos, que tocam
 instrumentos de percussão e no próprio tambor. Nos mitos sagrados mais
 antigos, e no Candomblé encontramos uma historia muito enriquecedora 
e pouco conhecida que narra esta lenda. Trata-se do Orixá do Tambor.
É fascinante observar como no rito o instrumento é considerado sagrado, 
como o som é  considerado um meio de comunicação com força
 transcendentes e como os instrumentistas (Ogan) têm essa missão de 
permitir que o Orixá da música (Ayon) se expresse, sem que isto envolva
 nenhuma vaidade pessoal.
Longe deste comportamento, os músicos hoje perderam a relação com
 o sagrado, com seu próprio instrumento, com seu lugar na arte e se 
importam mais com sua ostentação pessoal que em evocar os Deuses do som.
A narração ancestral mostrada mais a frente, está em perfeita harmonia
 com o que o saxofonista John Coltrane entende por música e evoca em
 composições como LOVE SUPREME.


Ayon o Orixá da música. -1

O tambor é considerado sagrado é tratado como uma criatura vivente, que deve ter cuidados específicos e uma variedade de regras para o seu uso.
A força espiritual contida no tambor, que o consagra, é chamada de ”Ayan” ou ”Ayon", o Orixá do tambor. Para que alguém possa ser iniciado em Ayon e tocar o tambor, deve cumprir rígidos rituais religiosos.
 No Brasil esta tradição praticamente se perdeu, mas foi mantida na Nigéria e Benin (a Terra Yorubá) e em Cuba.
 O iniciado recebe a força espiritual necessária para tocar os tambores de forma correta, para que estes possam "falar" com os Orixás, chamando-os para as cerimônias a eles dedicadas. Ayon representa a expressão sonora das Divindades; ele é a alegoria do tambor que serve como depositário dos poderes Divinos , e como veículo que lhe dá a voz.
A consagração de Ayon no tambor Batá é feita por meio de ritual e elementos litúrgicos sagrados, que ficam dentro do tambor, que é selado hermeticamente com as duas peles. Quando Ayon é assentado no tambor este é chamado de "Eleekoto". O ritual de consagração inclui pintura do tambor com a assinatura de Xango.
Eleekoto é simbolizado por uma miniatura de tambor que não pode ser tocado, pois simboliza "Ayon".
A lenda.
Diz uma lenda da divindade Ayan/Ayon, que Olódùmarè (o Deus Supremo) o chama para aprender o poder de cada Orixá, para ensinar os homens a louvá-los através do canto, da dança e dos ritmos sagrados. Na verdade o próprio instrumento - o tambor - é considerado como a veste material de um espírito e dizem os mitos, que cada tambor possui seu espírito elementar, que se materializa dentro dos mesmos durante as cerimônias para que o rito tenha prosseguimento segundo a forma do pensamento do templo em questão, de acordo com o Orixá regente da casa.

Algumas narrativas sobre Ayon.-2

Aiyon era o mais forte de todos os seres e ninguém o igualava. Certa vez Lorundi lhe disse que Irõko (arvore ancestral - 3) era mais forte do que ele. Sem pensar, Ayon, foi até Irõko e o arrancou com apenas uma mão e o povo disse que Aiyon era mais forte.
Após desmiolar o tronco de Iröko, ele o cobriu com um couro e fez um aketé. E um dia, ao chover, o couro ficou mole e ele pôs   o atabaque em pé ao sol e ficou retumbando, (assim, ele inventou o atabaque).
Ayon começou a tocar para o povo dançar, em muitas cidades onde recebia dinheiro aos seus pés. Um dia, certa mulher quis tocar, mas ele não queria ensinar; em determinado momento ele foi para a mata com ela e quando ele dormiu ela tocou o atabaque.

Ao acordar, Ayon jogou a mulher longe e com isso o atabaque não ficou bom mais. Ao irem a um sacerdote, ele ficou sabendo que a mulher "tava fraca" de Bajé (menstruada), assim ele teve que fazer uma oferenda para o atabaque para que ele ficasse bom novamente. 

Daí o motivo da mulher não tocar atabaque no Candomblé.
De todo modo, sabemos que no culto Ijexá é comum as mulheres tocarem para Logunede por causa de um encantamento. -4
Mais narrativas sobre Ayon.-5

 Ayon é a potestade que encerra alguns dos maiores mistérios da profunda iniciação, pois está ligado a praticamente todo o sistema de equilíbrio das divindades, estando presente no começo e no fim do mundo, atuando na ritualística de todos os Orixás.



É o espírito da Música e segundo os mitos antigos; morava dentro do tambor no princípio dos tempos.

Ayon é a entidade que ensinou os homens a falar, a cantar e a preservar e viver a música como fonte de equilíbrio e estabilidade.

Um tambor bem preparado é um verdadeiro ser vivo, e quase sempre o espírito de Ayon, quando se manifesta nele, induz o Alabê (Ogan- músico) a executar ritmos extremamente hipnóticos e complexos, pois os tambores chegam a “falar” sozinhos.
O preparo de um tambor para Ayon requer muitos cuidados dentro da magia, pois desde a construção até a preparação são utilizados diversos materiais para a consagração, que vão do azeite ao mel, elementos de alguns peixes e resinas de árvores, etc. Um especial cuidado com as tiras que prendem o couro, com elementos diferenciados e polêmicos é indispensável.




Considerações finais.


Os músicos são na realidade instrumentos que permitem que os tambores cantem e atinjam uma transcendência. A beleza desta relação se perdeu, assim como se perdeu o sentido sagrado da música.  Talvez, este mito de Ayon nos permita retomar o elo perdido com a nossa missão.

Notas.


1-Blog Candomblé é para todos.
2-Blog do Babaloorisa Carlos Jose.
3-Iroko é um Orixá muito antigo. Iroko foi à primeira árvore plantada e pela qual todos os restantes Orixás desceram à Terra. Iroko é a própria representação da dimensão Tempo. Iroko é o comandante de todas as árvores sagradas, o vanguardeiro, os demais Osa Iggi devem-lhe obediência porque só ele é Iggi Olórun, a árvore do Senhor do Céu. (fonte- Blog Candomblé o mundo dos Orixás).
4-Segundo o pai de Santo Gustavo Ferreira.
5-Do blog Ilê Axé Casa dos ventos.

VIDEOS.
Aqui um vídeo muito ilustrativo para quem queira escutar a sonoridade dos batas cubanos. 
https://youtu.be/MrJQhgJyMS8