terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A vida de Anibal Troilo

Troilo

Acabo de ler mais uma biografia de Troilo.
Sempre me surpreende com alguma anedota, sempre descubro uma nova dimensão para olhar sua vida, tudo colabora para que continue apaixonado pelo mito Pichuco.
Esta biografia, na realidade, é a compilação de vários artigos publicados num volumem da coleção “Historia del Tango” , é o volumem numero 18 da coleção, foi publicado pela editora Corregidor.
Entre os autores temos a Hector López, acompanham a publicação artigos de Catulo Castillo,Julian Centella e outros.
A parte de López é mais orientada a ser efetivamente uma biografia detalhada, a parte dos depoimentos e reportagens exaltam a figura épica de Troilo: “É o fazedor de uma obra sustentada e fundamentada por uma figura que responde a nuances cotidianos, metafísicos, existenciais como protagonista de uma aventura maior da historia do homem rio-platense”.
O testemunho de Catulo Castillo, na realidade, um tributo poético que coloca a Troilo como um personagem histórico na vida da cidade, como alguém que sobe interpretar o espírito portenho no que ele tem de singelo, de boêmio, de verdadeiro.

Para quem não conhece, vou responder esta pergunta: Quem é Troilo?

Nasceu um 11 de julho de 1914 no bairro de Abasto na capital argentina, morre em  Buenos Aires um 18 de mayo de 1975, seus nomes: o gordo , Anibal Troilo ou simplesmente:"Pichuco".
 Nunca esta demais dizer que ele  corresponde a  magnitude que teve um Ari Barrozo ,Pixinguinha ou um Noel Rosa para a música brasileira. Bandoneonista, compositor de músicas históricas como "Sur", "la última curda", regente da sua própria orquestra típica, arranjador, mestre de muitos músicos importantes, entre seus discípulos  na linhagem tangera encontramos nada mais a nada menos que ao próprio Astor Piazzolla.
Vale à pena ressaltar também que Troilo ademais do seu lado artístico foi uma pessoa completamente adorável e cheia de historias humanas e lendárias que, pelo seu carisma, como diz Julian Centella, lê valeu o titulo de o bandoneon maior de Buenos Aires.

Algumas historias.




Como comprou seu instrumento, parece que foi um presente divino porque a mãe de Troilo,Dona Felisa, queria que ele fosse farmacêutico mas o gordo depois de terminar o terceiro ano do segundo grau só queria saber de futebol, jogava de centro avante, assistir filmes  e  imitar o movimento dos bandoneonistas amassando uma almofada se imaginando músico.
Foi em um pic-nic que pela primeira vez se colocou o bandoneon sobre as pernas, Dona Felisa finalmente comprou um doble “A”, um instrumento alemão da fabrica dos irmãos Arnold.
Comprou o bandoneon por 120 pesos a pagar 10 por mês, chegou a pagar 40 pesos até que no quarto mês o cobrador não apareceu; a casa tinha fechado, como se o  destino quisesse dar ao gordo um presente sublime.
Pichuco apelidou de “jaula” ao instrumento porque pra ele continha o som de 100 pássaros cegos.
Outra historia famosa ocorreu quando Troilo conhece a Antonio Maida, decidem usar o dinheiro da passagem de Maida para voltar a casa e fazer um lanche; depois juntos voltariam a pé, acertaram que ao chegar a casa o gordo devolveria a divida e Maida assim pegaria o bonde; quando chegaram à casa de Troilo, Maida usando uma gíria que só as pessoas mais boemias conheciam diz para ele pedir a grana para a mãe, a mãe entende o mensagem cifrado e responde para Troilo:”te conheceu hoje e já te pede?”.

Sua relação com a música.

Pichuco estudou apenas durante 6 meses e logo depois começou a tocar profissionalmente , de calça curta, tinha 11 anos apenas, sua escola foi tocando na noite, nos bailes da vida.
A falta de um estudo formal fez que ele desenvolvesse sua musicalidade de forma intuitiva.
Durante muito tempo foi um músico que tocava os temas de modo livre, sem arranjos , na bossa, “a la parrilla” (na brasa) como se diz na gíria musical portenha.
Foi um criador, alguma das suas composições estão reconhecidas entre os tangos mais inspirados de todas as épocas, de um total de mais de 100, pelo menos umas 5 estão no pódio da historia: Sur,La última curda, Garua,Responso e Bairro de tango entre elas.


Foi exímio instrumentista, recriou tangos como “Quejas de bandoneon” e suas versões acabaram sendo uma referencia histórica.
Com seu estilo Troilo representa uma sonoridade diferente, a dos anos 40, o tango da “velha guarda” ficaria atrás, ele inaugura um comportamento menos estridente que de orquestras como a de Juan D´Arienzo.
Intuitivo por natureza para interpretar suas idéias recorreu a diferentes arranjadores ,sua direção musical era a de deixar que a melodia respire, apagava com uma borracha todos os contra cantos que pudessem interferir com a voz central, preferia as harmonias da música do período clássico as da  música impressionista, de compositores como Claude Debussy y Maurice Ravel.
As formações que uso foram , naipe de violines,viola,violoncello, piano, contrabaixo, naipe de bandoneones  e dois cantores; também realizou experiências em quarteto de violão,piano, contrabaixo,bandoneon e voz, em duo com violão junto a Grela,por exemplo, e inclusive gravou em duo de dois bandoneones junto a Piazzolla.

Em relação ao ponto do que se deve conservar e que mudar no Tango Troilo diz: "No se deve perder o clima que é a essência pura do estilo. O aspecto técnico e a instrumentação devem oferecer as características da época que vivemos; a evolução, a renovação devem ser o dominante de todas as artes, o estilo deve guardar sua harmonia e sua rítmica originaria".
Ele foi admirador do Tango de Puglese,de Horacio Salgan; não compreendeu o disco de Piazzolla com Mulligam nem as interpretações de Atilio Stampone.
Pessoalmente penso que á música precisa de estas duas correntes uma que afirma a beleza da tradição e outra que se constrói a partir da ruptura com o passado.

Historia com Piazzolla.

Sua historia junto a Piazzolla é imensa, quando Troilo morreu Zita deu de presente o bandoneon de Troilo em um gesto que tal vez simbolize a continuidade da historia viva.
Uma das historias testemunhadas no livro conta que em 1966 Piazzolla sonhou que ia fazer um arranjo do tango "verão portenho" para Troilo, acordou fez o arranjo sai na rua e encontra Troilo que efetivamente lê pedi o arranjo, Piazzolla tinha as partes em baixo do braço e diz :aqui esta!

Historia com Manzi.

Trás a morte de Homero Manzi, uma noite interrompeu um jogo de Bacarat se isolou em uma habitação para compor em pouco tempo sua obra Responso, um lamento que está catalogado como um dos tangos mais brilhantes de todas as épocas. O gravou logo se negava a tocar-lo. O fazia  a pedido dol público, mas se sabe que sofría quando o interpretava.
Troilo com Manzi compus “Sur”, o sainete “el patio de la morocha” e muitas obras inesquecíveis.

El mistério...

Manzi sempre falava que tal pessoa estava ou não no Mistério, como aludindo que se essa pessoa estava ou conhecia do que se trata a arte verdadeira ou a vida mesma..

Seu mundo.

Zita ,a grega, sua mulher de mais de 30 anos, sua companheira,seu culto pela amizade.
Paquito um amigo que sempre o acompanhou e sempre o ajudo a levar o instrumento,Antonio Maida,  Barquina,Goyeneche,Dona Felisa, sua mãe.
Pichuco fala que nunca saiu da casa da materna, nunca deixou de ser aquele moleque abraçado as 
saias da sua mãe.
Sua obra poética.

Troilo escreveu alguns poemas, alguns textos como “caliente”, cartas com certa preocupação poética como a que foi dedicada a Horacio Ferrer  mas seu poema “Noturno ao meu bairro” é realmente o mais conhecido, nele retrata sua relação com sua infância,seus amigos e sua mãe.

Anibal Troilo, Puchuco e o bairro
Troilo se criou no bairro de Almagro, lugar que reverenciou no poema Noturno ao meu bairro.
Almagro fica na altura de Corrientes e Bustamante, onde fica o mercado do Abasto, perto do centro da cidade portenha... Pichuco nasceu nesse trechinho de Buenos Aires e desde garoto sobe fazer o elogio do seu lugar e das amizades da sua infância primeira.
O poema Noturno ao meu Bairro onde fala justamente da sua pertença á Buenos Aires.... Duas coisas que gostaria falar do poema... A primeira a ideia de que a realidade não é algo apenas palpável, fidedigno, objetivo e sim o que misturamos nas nossas lembranças junto com o nosso olhar do passado e de tudo aquilo que significou aquela imagem na nossa memória afetiva.
A segunda questão é a do bairro, penso que é a nossa verdadeira nacionalidade. Não penso o conceito de nacionalidade como algo ligado aos símbolos patrióticos (bandeira, as cores)  é sim ao lugar íntimo e pessoal, o território único e pontual que recortamos da nossa infância e que eternizamos ao logo de nossas vidas e que reconhecemos como nossa origem.
Troilo no poema afirma que ele nunca deixou seu origem...que ele sempre esta chegando lá....
Aqui vai o poema que Troilo escreve durante os anos de 1950, poema onde ele percorre com olhar generoso o que se lembra do seu universo ancestral.
Coloco-o em espanhol e depois em português
Nocturno a mi barrio
Mi barrio era así, así, así.
Es decir qué se yo si era así?
Pero yo me lo acuerdo así!,
Con giacumin, el carbuña de la esquina,
Que tenía las hornallas llenas de hollín,
Y que jugó siempre de "jas" izquierdo al lado mío,
Siempre, siempre,
Tal vez pa'estar más cerca de mi corazón!
Alguien dijo una vez
Que yo me fui de mi barrio,
Cuando? …pero cuando?
Si siempre estoy llegando!
Y si una vez me olvidé,
Las estrellas de la esquina de la casa de mi vieja
Titilando como si fueran manos amigas,
Me dijeron: Gordo, gordo, quedáte aquí,
Quedáte aquí.
                                          -0-0-0-0-0-0-
Noturno ao meu bairro

Meu bairro era assim, assim, assim
Quero dizer sei lá se era assim?
Mais me lembro dele assim!
Com Giacumin, o carbuña (1) da esquina,
Que tinha as fornalhas cheias de fuligem
E que jogo sempre de ponta esquerda do meu lado
Sempre, sempre
Tal vez para ficar mais perto do meu coração

Alguém falou uma vez
Que fui embora do meu bairro
Quando, mais quando se sempre estou chegando

E se alguma vez esqueci as estrelas da esquina da casa de minha velha
Piscando como se fossem  mãos amigas
me disseram Gordo,  Gordo...fica aqui..
 fica aqui.
(1)    Carbuña...quem trabalha com carvão...dai as fornalhas ( o nariz) cheias de fuligem.
Este poema foi gravado na voz do próprio Troilo acompanhada pelo seu próprio bandoneon, aconselho escutar o vídeo  onde ele dramatiza o poema ao vivo durante uma novela de La televisão argentina.

Sua morte.

Todos deveriam morrer sem sofrimentos, Deus deu essa graça a ele; terminou de tocar voltou em casa, falou para a galera: “hoje vou jantar com a grega em casa”.
De manhã desmaio e morreu quase sem saber-lo. Depois ao hospital, a cerimônia fúnebre a visita do povo e de seus pares no teatro San Martin na sua rua Corrientes até seu sepulcro no cemitério da Chacarita.

Minha relação com Troilo.

Minha admiração por ele como compositor, como símbolo de Buenos Aires, me lembro de três
historias a primeira quando eu tinha 10 anos , estava hospedado no Hotel Hurlingan em Mar del Plata (cidade balneária há 450 km de Buenos Aires), do lado do hotel existia uma famosa sorveteria chamada Lombardero, de repente entra Troilo com Zita e alguns amigos e me pai me diz: ”aquele é Troilo”, aquela figura agigantada pelo tamanho e pela estatura simbólica estava na minha frente tomando um “dom Pedro” (sobre mesa composta por um sorvete de baunilha e uma doses de whisky).
Segunda historia , em 2010,meu pai, que sempre me envia noticias e recortes de jornais onde falam de Pichuco decide realizar uma reunião e convidar a duas figuras que conheceram o mito, foi “el flaco” Ruano (amigo pessoal de Troilo, homem da noite portenha) e Caito bandoneonista admirador da obra troileana.
Finalmente, em 2014 em ocasião do seu centenário organizei um show no Rio de Janeiro onde foi interpretada a Suite troileana ,obra de quatro movmentos –whisky,Zita,escolaso e bandoneon- que Piazzolla dedicou aos quatro”vícios” do gordo, terminamos o espetáculo interpretando Sur, La última curda e Romance de bairro.